Vai dá meia noite e eu aqui acordada. Sabe, estive pensando
muito na minha vida, nada dá certo. O desemprego me alcançou, a doença me
consome e minha angustia só aumenta. Pra piorar vi uma moça que me falou sobre
a volta de Jesus, e me analisei o quanto me afastei de Deus. Às vezes me bate
um desespero tão grande, sinto que ninguém me ama. Nessa neurose meus nervos
estão comprometidos e fico me tremendo com frequência. É justamente quando vou
dormir que a consciência vem e me sinto culpada por muitos erros que cometi. Um
turbilhão de pensamentos me invade, realidade se mistura com fantasia e caio em
um mundo surreal rodeado por monstros e fadas.
O diabo sabe trabalhar para nos afetar e tirar nossas forças.
Ele começa desde a infância implantado rejeição e dúvidas de quem somos, pra lá
na frente dá o golpe final. Desde criança sempre fui colocada no canto,
sozinha. Meus pais sempre preferiram meus irmãos. E a vida seguiu assim, com
exclusões e rejeições. Meus pais viviam em pé de guerra, não se amavam e
transpareciam pros filhos. Durante as brigas deixavam escapar que só estavam
juntos pelos filhos. Eu e meus irmãos crescemos vendo discursões e violências.
Diálogo não existia apenas cobranças. Minha mãe sempre passava a mão por cima
do meu irmão mais velho. Já meu pai era neutro, gostava de todos, porém era
muito omisso.
Na igreja era a ovelha
rejeitada, a maioria não fazia questão de me cumprimentar. A filha do pastor
era a mais paparicada. Gostava de louvar e também pregar. Muitas vidas eram
edificadas através de mim e isso causava inveja. Levantaram uma calunia muito
grande contra mim. Disseram que eu havia ficado com o filho do pastor e com
mais dois. Fui taxada de prostituta dentro da igreja. Não adiantava tentar
explicar o ocorrido, levei disciplina. Depois descobri quem foi uma menina que
vivia ficando com todo mundo, mas nunca era disciplinada por ser filha de uma
dirigente de oração. Ela ficou com ciúmes de mim, pelo fato do garoto que ela
gostava querer namorar comigo.
A partir de então quase ninguém queria ficar perto de mim. O
lugar que era pra acolher me excluiu. Mesmo assim ainda dava uma palavra e
louvava nos cultos matutinos. Minha fé começou a esfriar. Sentia-me um peixe
fora d’agua. Poxa, me esforcei tanto na obra, pra hoje ser desprezada assim. O
pastor nem ligava pra nada, a única coisa que importava era exibir seus muitos
cursos de teologia pros fieis.
Essa garota que espalhou a calunia achou pouco à mentira
ainda fingiu que Deus falou com ela que eu era uma pedra de tropeço para o
garoto que ela era afim. E muitos acreditaram. Senti-me tão envergonhada com a
situação. Comecei a faltar nos cultos. Duas irmãs foram me visitar, pois
sentiram minha falta. Queria até voltar, mas não conseguia olhar pra cara dos
chamados irmãos.
Como ficava a maior parte do tempo em casa passei a ouvir
músicas mundanas. No começo achei que estava tudo bem. Uma música mundana aqui,
outra música mundana ali. Mal sabia que o pecado iria entrar por está brecha
tão simples. Minha vaidade começou a crescer e queria andar conforme as outras
garotas. Não queria ser diferente delas. Estava cansada de ser rejeitada e
desprezada. Ninguém queria ser meu amigo, a bobona que todos humilhavam. Então
tomei uma atitude drástica, pintei meu cabelo de roxo e comecei a usar umas
roupas bem provocantes. Chamei a atenção de vários garotos, fiz sucesso.
Conheci o Fernando, um garoto muito lindo que se encantou com meu corpo.
A partir de então, fiquei rebelde, não queria saber de nada,
só de curtir a vida. Minha família não se importou muito, afinal nem reparavam
em mim. Saia na sexta só voltava na segunda. E assim a vida seguia. Acabei
descobrindo que estava grávida. Disse para o Fernando e ele ficou calado. Uma
semana depois fui o procurar na casa dele, e ele havia viajado e me deixou um
bilhete. Nele estava escrito que eu o perdoasse, mas ele era novo demais pra
assumir um filho. Meu mundo desabou. Como iria contar pra minha mãe?
Não teve jeito à barriga começou a crescer e tive que contar.
Como o esperado todos me criticaram e falaram que não iriam me ajudar. Chorei
muito. Arrumei uns bicos pra comprar o enxoval e finalmente chegou o dia da
criança nascer. Um garoto lindo. Fui pra casa com meu bebê. Meu pai ficou com
pena de mim e construiu um quartinho nos fundos para haver mais espaço para o
bebê. Meus irmãos se enfureceram, pois era o dinheiro de comprar um carro pra família.
Como não poderia trabalhar e deixar um bebê sozinho fiquei os
seis primeiros meses em casa e meu pai me ajudando. Só que as humilhações dos
meus irmãos eram frequentes. Culpava-me pela família não ter mais dinheiro e me
comparavam a um cachorro que mora no fundo da casa. Tinha vezes que ficava
calada, mas outras explodia, afinal não tenho sangue de barata.
Meu semblante de tristeza era nítido. Sentia-me envergonhada
morando de favor e com um bebê sem pai. Minhas amigas? Todas foram embora. Só
era interessante quando virava a noite com elas, agora nessa situação nem
comigo falavam. Não tinha mais ninguém.
Pra piorar a situação comecei a ter fortes dores de cabeça e
não dormia direito. Fui ao médico e foi detectado um coágulo e estava numa
região que não podia ser removido. Desesperei-me. Sem amigos, sem namorado, sem
família e sem trabalho. A situação não podia piorar. Como não dormia direito
assistia toda a programação da TV e numa delas passava pastores orando e orava
com eles pra ficar curada. Lembrei-me da cura divina que tive, quando criança
fiquei paraplégica e consegui recuperar os movimentos.
Quanto mais orava, mais meu estado piorava. Fui internada
muito mal e lá uma cristã falou do amor de Deus pra mim. Já estava sem
esperança de ficar boa e sair da situação pela qual me encontrava. Aquela
mulher olhou pra mim e disse que Deus iria cumprir a promessa na minha vida,
que havia me prometido ainda criança. Naquele momento chorei e desmaiei. Os
enfermos imediatamente me levaram pra UTI. Meu coágulo estourou e o sangue se
espalhou rapidamente. Era o meu fim...
Por um milagre o sangramento foi reduzido e consegui me
recuperar. Numa noite entrou um homem todo de branco e sentou do meu lado.
Achei que era um enfermeiro. No dia seguinte perguntei a uma paciente que
estava do meu lado e ela disse que não viu ninguém. Foi aí que comecei a pensar
o quanto Jesus é maravilhoso. Mesmo eu sendo infiel ele foi fiel comigo.
Quando me recuperei totalmente resolvi ir a uma igrejinha
perto de minha casa e lá senti novamente a presença de Deus. Meu melhor amigo
me perdoou e me aceitou de volta. Chorei muito, pois caí feio. Mas como a
bíblia diz que o justo caí sete vezes e em todas Deus o levanta. Meus problemas
resolveram num passe de mágica? Não, porém sei que com Jesus no barco irei
vencer.
(Ficção, porém com sentimentos reais).